domingo, 14 de fevereiro de 2010

Que venham todos!












Bring’em all in – Mike Scott. Lançado em 1995 pela Chrysalis(EMI). Produzido pelo Mike Scott & Niko Bolas(que trabalhou com Warren Zevon/John Doe/Neil Young/George Thorogood/Jonathan Richman/Bob Mould/Jackson Browne)


O nome Mike Scott confunde-se com outro nome: Waterboys. Mike Scott em 1995 gravou seu primeiro álbum solo. Um álbum conceitual. No caso, o tema abordado foi a experiência, vivida pelo Mike Scott, física e espiritual em uma espécie de rito de passagem, semelhante ao transcrito a seguir:
Remembering when first I held The wheel in my own hands I took the helm so eagerly And sailed for distant lands But now the sea's too heavy And I just...I just don't understand Why must my crew desert me? When I need...I need a guiding hand...(1)

Ainda lembro de quando pela primeira vez
Tive o controle de meu próprio destino
E pude então, ir para qualquer lugar
Mas agora sinto não puder sustentar o rumo sozinho
E simplesmente não entendo porque, justo agora, meus amigos se foram
Quando eu preciso, preciso de ajuda(2)

O rito descrito é o da passagem para a idade adulta, onde, teoricamente não se depende de mais ninguém. Dois fatos foram determinantes para a busca particular de Mike Scott: o tempo de reclusão às margens do Findhorn Bay (lugar onde meditava e depois gravou todas as faixas do álbum. O lugar é citado na primeira estrofe de Long Way to the Light e fica na Escócia), e a viagem para a costa Leste do continente americano, onde masterizou as músicas. Bring ‘Em All In abre com a faixa que deu nome ao álbum. É um desafio, lançado pelo Mike para si mesmo. O desafio era trazer à tona tudo que precisava ser reconhecido e tratado, não só dentro, como também, fora de seu universo. Scott desafiou a si mesmo dizendo: “pode mandar todos/mande todos/todos que estão escondidos/todos os perdidos/trancados/adormecidos/ Eu estou pronto para enfrentá-los”. Foi assim que declarou a sua própria guerra. Ele sabia disso. Só não sabia que a devastação seria avassaladora. Muito do que foi devastado jamais seria recuperado:

I tried to rebuild my life/But the life I knew was gone/I had to let it go everything/But that’s another song!
Tentei reconstruir minha vida/Mas a vida que conhecia não mais existia/Tive que deixar tudo para trás/Exceto a minha música!

Cair na estrada não é para qualquer um:

You can surrender without a prayer/ But never really pray/ Pray without surrender(3)

Você pode se render
Sem rezar
Mas nunca irá rezar
Sem realmente se render

E seguindo o espírito desses versos, ainda em futuro incerto e não sabido, Mike tratou de fazer sua própria prece, por saber que a ela iria recorrer, diversas vezes:

What do You want me to do? (O que você quer que eu faça?) (4)

Tenho sido orgulhoso e cego/Tenho muito que mudar/Reconstruir todo o meu ego/Se você me mostrar como fazer/Começarei de imediato/O que você quer que eu faça, Senhor?

Cair na estrada é um disfarce e tanto – Wonderful Disguise. Não ser reconhecido em terras estrangeiras foi de grande valia na longa e tortuosa estrada. Tudo tinha sido desconstruído, porém, Mike sabia onde se encontrava a sua origem, o seu ponto de partida, só não sabia como chegar lá novamente:

I can see the lights of home/But I can’t get there on my own/I can see the landing strip/ But I need you to steer my ship(5)

Caminhar, por uma estrada nunca antes explorada, é a capacidade de dispensar tudo que se torna supérfluo ao longo da trajetória. É uma descoberta feita a cada passo porque não se tem como carregar todos os pertences. Até o que lhe parecia tão importante, passa a ser visto de outra forma. A partir desse momento os valores são transformados, e o que não tem serventia fica pelo caminho:
Living one step at the time/Putting one foot in front of the other/It sure feels right/Healing on my mind/Been a long way to the light.
Vivendo um dia por vez/Caminhando com precisão/E me livrando das péssimas lembranças/A cura está em mim/É um longo caminho para se chegar a luz


Construir o seu lar em outra ilha (Manhattan) foi o que Mike fez para não se sentir tão longe de casa, e fez o que ele sabia (sabe): plugar a guitarra e tocar! Depois de passar o outono inteiro em trânsito, sem chegar a lugar nenhum, a resposta veio:
I spent the fall in transit/circling the moon like a cat on the hot tin roof/Like a fiddle without a tune/I found what I was searching for in Mrs. Caddy’s book/I have to go there straighaway/Have myself a look(6)

Ele encontrou o que procurava num livro de Mrs. Caddy (7)

Ainda em “Long Way to the Light” o verso well, if you want to give God a laugh – tell him your plans! (Bem, se você quer ouvir uma boa risada de Deus, diga a ele quais são os seus planos!). Na estrada, planos inexistem. O Sr. Scott, aqui, faz pouco de sua própria inocência ao tentar planejar sua busca/aventura. Voou de volta para a Escócia, imaginando como o velho país iria lhe receber – como um filho pródigo? Ao chegar, Mike Scott se ajoelhou e beijou o asfalto. Sentiu, então, seu sangue celta das montanhas escocesas, ferver em suas veias mais uma vez. E encerrou seu primeiro álbum solo dizendo que tudo pode mudar num piscar de olhos.
Atualmente, Mike Scott faz shows tocando versões musicadas de poemas do Yeats, se esconde em algum lugar na Irlanda, e nunca mais pisou em outras ilhas que não fossem do Reino Unido.


NOTAS:

(1) Tradução literal dos versos:
Lembro de quando tive pela primeira vez/o comando do barco em minhas mãos/De imediato coloquei o elmo/E naveguei por terras distantes/Acontece que agora o mar está revolto/E eu não entendo/Porque minha tripulação me abandonou

(2) Versos da Parte III – No one at the Bridge de Fountain of Lamneth. Escritos pelo Neil Peart.

(3) Resist (Neil Peart - 1996). Canção que Geddy Lee relacionou a Escócia em versão ao vivo. Uma canção folk, disse ele.

(4)Música regravada pelo, também escocês,Rod Stewart.

(5) Posso ver as luzes de minha terra/Mas não posso chegar lá sozinho/Eu posso ver um novo horizonte/Mas eu preciso de ajuda para manter a direção do meu barco

(6) Passei o outono rodando/Sem rumo/Como um gato em teto de zinco quente/Como um violino desafinado/Eu encontrei o que procurava num livro da Senhora Caddy/Tenho que ver com meus próprios olhos. Uma referência ao poema The Cat and The Moon de W.B.Yeats (1865-1939)

(7)Provavelmente aqui Mike Scott se refere a Florence Caddy, escritora inglesa, autora de 7 livros, incluindo Footsteps of Jeanne d’Arc – a Pilgrimage de 1876 – Os caminhos de Joana d’Arc – Uma Peregrinação.